Angústia Existencial e Visceralidade na Bedroom Music

São nas paredes do quarto em que se aparecem os primeiros indícios de uma busca consciente por individualidade. Os nossos quartos configuram-se como espaços “vazios”, amorfos, prontos para serem moldados. Imersos em profusões de desejos, buscamos na imaterialidade catártica da adolescência, proposições lógicas e hipóteses que transpassam o senso comum e nos colocam em contato com a plasticidade do mundo real. Nossos impulsos transformam-se em objetos.

Em tempos de isolamento social, o espaço “vazio” do quarto parece ter sido essencial para um primeiro exercício de liberdade de muitos jovens. Transcendendo os limites do individualismo de consumo, o período entre 2020 e 2022 foi o cenário ideal para o surgimento de diversos projetos musicais protagonizados pela geração Z, sendo o quarto um laboratório perfeito para esses experimentos de visceralidade. 

o dia em que a maré carregou nossos corpos” (2023), parece ter a sua origem nesse contexto. É um álbum que perpassa as angústias existenciais de Caru, que produz no próprio quarto o projeto magnólia. A estética chiptune da primeira faixa é confrontada com um vocal ruidoso e abafado, nos carregando para um canto escuro e confuso no inconsciente de Caru. A faixa é irônica, tem sabor agridoce, e só teremos ciência do que se trata após os dois minutos e quinze, quando gritos emergem em primeiro plano e afluem em uma certa melancolia nostálgica, corroída por um humor cáustico: “E tu pensa: caruzinho, mas que merda. Né?/Você devia fazer terapia, e eu digo, terapia é pros fracos/Os reais bebem Coca-Cola”.  

Algumas faixas como “enrustido de fúria”, trazem uma sonoridade crua de voz e violão, algumas vezes lembrando bandas como Velvet Underground ou Les Rallizes Dénudés. O som é íntimo, sem muito polimento. Os acordes soam como um réquiem para sentimentos que em algum momento possam ter sido aprazíveis.  

Apesar do caráter de agonia da maior parte do álbum, em certos instantes o som ganha um aspecto brilhoso, cintila de forma sublime como se houvesse esperança de que a chuva parasse, como é o caso de “meu sangue se encharca da sua água”, que tem um certo tom de redenção. As angústias submergem e emergem o tempo todo. 

Caru traz influências do shoegaze, do screamo e do blackgaze que explodem em léxico vigoroso. Cantado. Falado. Berrado. A última faixa começa com sons dissonantes e atmosféricos que logo são contrastados com uma letra otimista, e que apesar da melancolia vocal, carrega um tom esperançoso. São quase quatorze minutos de um breve mergulho na infância de Caru, e entre pesadelos tempestuosos e prazeres intermitentes, somos encorajados a continuar acompanhando essa jornada de autoconhecimento, que desabrocha do quarto para o mundo: “Acho que eu preciso de algo pra ir atrás […] Enfim, o show ainda não acabou, mas ele tá bem diferente”.