A caminhada enquanto processo magístico

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Todas as obras de Jodorowsky com as quais tive contato (sejam filmes, HQs, ou livro) parecem falar sobre a mesma coisa: o caminho espiritual. O “mestre Jodô” não fala sobre o “chegar lá”, sobre o “outro lado”. Ele parece falar apenas sobre “percurso”. E talvez esse seja o trabalho mágico de fato: caminhar. Como escreveu a anarquista Emille Lamotte em “A Educação Racional da Infância”: “mais livre é aquele que caminha o quanto for necessário”. E o que é a magia se não uma forma de libertar-se de axiomas?

Desde certa idade, caminhar para mim tem sido algo realmente libertador. Sempre contra o vento. Caminhar é subversivo e antiautoritário. Para caminhar é preciso desejar chegar em algum lugar. Percorrer o seu caminho é incômodo para os que te querem parada. Caminhar é um ato político. Saravá, Thoreau! O magista deve ser uma potência revolucionária, o magista deseja. O desejo é movimento. Caminhar. Manter-se em movimento. Esse é o devir magístico.

Em termos práticos, a caminhada apresenta-se para mim como algo muito próximo de um processo terapêutico ou uma experiência com psicotrópicos. Caminhar me proporciona um mergulho urbanístico no meu próprio inconsciente. Cada rua, cada casa, cada paralelepípedo se relaciona vividamente com o meu universo simbólico particular. Em cada rua que entro é como se estivesse chegando mais fundo no inconsciente. Quanto mais me perco na cidade, mais me encontro nos pensamentos. Respostas emergem do asfalto, traumas espreitam-me atrás dos postes. A cidade é viva. Já entrei em ruas nas quais seus espíritos não me queriam ali, andei por praças que acolheram meus prantos. Senti medo e euforia.  

Ao caminhar é preciso deixar-se tomar pela esquizofrenia poética; é preciso enfrentar a loucura, compreendê-la como parte do processo magístico-artístico. Falo da loucura hamletiana, aquela que expõe a demência daqueles que dizem-se corretos, a loucura de Erasmo De Roterdã. É no frenesi que se escuta as múltiplas vozes da cidade. É necessário induzir-se ao estado de loucura. Gargalhe e encontre em cada placa os demônios que habitam em seu peito.

Penso em uma concepção rizomática para o caminhar. Começa-se de um ponto qualquer, chega-se em um ponto qualquer. Pega-se qualquer direção, tanto faz. Os nossos pontos de chegada são novos rizomas que nos possibilitam novos caminhos. Não interessa por qual ponto decidir começar. Apenas caminhe e não pare. Altere o seu percurso, mas não interrompa os passos. 

O que é a vida se não o caminho até a morte? 

O que faz o magista se não caminhar até o ponto do universo em que sua vontade se manifesta? 

O fim é ilusão. O percurso é a lei.