Eles não entendem que existe uma enorme semelhança entre Zenão de Cítio e Zeca Pagodinho. Eu, num filme de Mojica, vejo Nietzsche e vejo um nazista. Não é preciso muito para perceber que a única diferença entre o Funk de Favela e o Jazz de Nova Orleães não passa de uma dilatação insignificante no espaço-tempo. Um salto no tempo e a sexualização infantil, da mesma forma que invalida gêneros musicais, enaltece o falo das igrejas de Platão. Imaginem só: Paul Lafargue e William Gibson entram num bar. Crianças habitam praças públicas, passam fome e assistem confortavelmente à Netflix. Enquanto isso, travestis reafirmam padrões de gênero para satisfazer os patriarcas das famílias tradicionais. Vejo o tempo todo “los estudiantes” alimentando o liberalismo influenciados pelo moralismo de seus pais. O intelectual encontra prazer naquilo que anacronicamente o causaria repulsa. Anacronismo é falácia. A juventude é fascista, mas a racionalização da visceralidade impetuosa e animalesca já me parece uma ação vazia.
A angústia é intermitente. O Angustianismo segue por décadas na linha do tempo a qual pertence. E aquele Purgatório Axiomático de estética grotesca agora parece mais como um purgatório axiomático de natureza caótica e subjetiva.
Aqueles garotos caminhavam a pé lá do Conquista até o terminal São Mateus porque o cenário Eastwood da periferia era tão aprazível aos seus ricos olhares, que fazia cintilar no horizonte um vislumbre daquele futuro tão cheio de promessas. As promessas eram só promessas. Mas o futuro parecia tão distante que sobrava tempo até para sonhar e delirar com as estrelas na Praça do Vinho. Naquele tempo os beijos tinham gosto de melancia, e cada abraço era como pisar na lua. Promessas. Muitas promessas foram feitas. E aquele garoto conhecido por fazer sexo oral em outros garotos do bairro, tinha um toque tão sutil, mas deixava evidente que aquela seria a sua primeira vez. Boatos. Sempre boatos. Motivos de pensamentos suicidas e uma certa inclinação ao vício. Promessas. Muitas promessas foram feitas. Aqueles garotos de 15, 16, 17 anos. Cada movimento, cada gesto transbordava sensualidade e subversão. Fumavam maconha furando uma maçã! Utilizavam o fruto do diabo colhido da árvore da sabedoria para realizar aquele ritual: consagravam a Santa Maria e liam corajosamente seus poemas. Promessas. Muitas promessas foram feitas. Aquele garoto um pouco mais velho, que passava oito horas por dia sem ver a luz do sol, andava na rua com medo de tomar enquadro com o estilete no bolso e não ter tempo de explicar que era um estoquista. Esse garoto, que versejava hipnoticamente o cotidiano durante seu horário de trabalho, merecia todo o prestígio do Ricardo Stuckert, merecia a conta bancária da Gabriela Biló, merecia com toda certeza uma exposição de destaque naquele Sesc da Avenida Paulista. Promessas. Muitas promessas foram feitas. Um dia esses garotos seriam grandes arquitetos, fotógrafos, acadêmicos… Estariam tomando cerveja honradamente na varanda sem temer o fim do mundo. Esses garotos de ricos olhares, de boas notas, que liam todos aqueles livros sentados nos degraus da lotação; esses garotos tão utopistas continuam caminhando a pé lá do Conquista até o terminal São Mateus.
Nunca usei um moicano, muito menos rebitei minhas jaquetas, mas o impulso anticonformista sempre incendiou meus pensamentos. Até quando é possível sustentar o romantismo libertário? O tempo passa e só acumulo angústias e incertezas (quem acumula certezas é imbecil). E imerso em infinitas contradições, tenho a impressão de que continuarei sendo punk mesmo, até o último dia da minha vida.
Cansei de ler notícias em redes sociais. Vou-me embora para a ilha dos prazeres, junto aos depravados de São Paulo, aos amantes da galeria Metrópole.
Uma hora o tal do Anticristo deveria ser útil na minha vida. Não o do Polanski, nem o do Lars Von Trier, mas aquele do Nietzsche. Tive o gostinho da amoralidade, bem sintética. Puro escárnio. Pude gozar da morte de um velho. Sou sim antiacademicista, quando me convém. Mas o filho da puta nem acadêmico era. Tudo bem zombar de um conspiracionista. De um velho de fala erística! De um sofista anacrônico! Não vejo problema já que cada paralogismo pode ser mortal. Sonho seria se cada seguidor seu lesse o Organon, ou qualquer merda do tipo. Então tudo bem rir do cara. É aquilo, sob o leito de Platão, não encontraram caralho nenhum de texto sagrado, nem qualquer escrito antigo; mas sim, um Aristófanes!
Eu gosto é de quem foi civilizada com fuzis e crucifixos mas nunca aprendeu a ler. Eu sinceramente não ousaria sentar-me ao lado de um católico para jantar. Apenas não me interessa. Não me interessa a democracia. Os mitos da república. As cores do império. A Bossa Nova. As convicções familiares do ocidente.
Os rituais iniciáticos drenaram todo o meu sangue de capitão do mato. Me resta ainda a loucura. A loucura de uma utopista! Algo como aquela de Hamlet. Encenada. Fingida. A loucura que expõe a demência daqueles que dizem-se corretos, que matam para preservar axiomas. Como podem chamar-me de louca se apenas quero matar a fome? A fome macunaímica e a fome do povo! Talvez tenham medo do amor que sentimos pela destruição. É que se não destruirmos, nos restarão apenas elegias censuradas.
Qualquer faísca de pulsão de vida é anti-sistêmica.
Na imensidão vazia de teus desejos, pensas que és muito. Aquilo que existe longe da racionalização do teu ser – do conhecimento, da vida – toma por si só a deformidade de teus anseios mais íntimos. Distorce a fome do nada. Disforme e legítimo, amorfo e instrínsico ao teu mais puro sentimento. Nada menos que a mais estúpida dor de um ser inexistente.
Qual a fórmula para a contemporânea expressão do mundo?
Eram três moleques da Zona Leste. Três moleques que caminhavam a pé na Rio das Pedras. Mesma escola. Mesmo sonho. Pergunta qual tomou enquadro? Qual viu milico desrespeitar o Código Civil? Artigo 241. Artigo 5° da Constituição e o caralho. Ultimamente a lícita farmacologia vem me privando de ler notícias, mas consigo manter a mínima consciência. Especulação imobiliária. 7.500 cruzeiros são agora patrimônio milionário. Se o sonho liberalista de tamponamento hídrico tornou SP Chicago pra imigrante branco, está dentro da minha ética redistribuir essa porra. Terrone Zona Leste, filho do mezziogiorno, nunca vou fechar com arrombado de sapatênis e sonho liberal. Quero estampar Whipala e tirar prêmio nobel de enchente. Ou é isso, ou podem escrever no meu túmulo: canalha filho puta.
circunscrito no conquista
conquista tudo, circula
circunda, se vê, se vai e volta e vem
moleque artista, vagabundo
radiante, radiano, irracional
nome europeu de grafia nacional
circulando, rodando, cercando
são mateus, matheus, de noite, de dia
diâmetro, de metrô, de pé, de olhar na mão
e vai, e volta, e vem e vê, e ípislon, ipê
amarelo, detalhes da rua, moleque atravessa
conquista, com vista, complica, sem pressa
quase toma enquadro, enquadra na quadra
fumaça, e caça nas casas seu vício de esteta
Busco alforria.
Renuncio aos prazeres.
Me desarmo de todas as maneiras.
Me destruo para renascer.
Ficarei nua.
E a mim me restará somente a hipocrisia.
Aquela rebeldia pasteurizada vendida em uma embalagem de Heineken nos espaços mais undergrounds de São Paulo tem um prazo de validade, e por mais que quase não possamos vê-lo por conta do desgaste da impressão térmica, agoniza mediocremente em seus últimos dias.
Gradualmente somos corrompidos uma segunda vez, agora trajando Nike Air e digitando anglicismos em horário comercial.
Agradecemos a Deus por estarmos do lado dos que se beneficiaram com a especulação imobiliária.
No currículo não há espaço para a subversão.
Toda aquela irreverência mora agora apenas nos berros atonais do saxofone da última fase de Coltrane, que preenche deliciosamente o escritório durante as horas extras de trabalho que realizamos às vinte e três e quarenta e cinco.
Mas as utopias e o radicalismo político ainda resistem estampados na parede, em um poster de Mikhail Bakunin comprado por oitenta e nove reais em um site supostamente socialista.
Som novo. Job novo. Drink novo. Os mesmos padrões. Outra semana. A mesma merda. As pessoas morrendo. Outro livro pela metade. Outra exposição no IMS. Os mesmos quadros no MAC. Amizades indo pro caralho. Ego. E aí, tá ligado? Qual o próximo rolê? O próximo surto? A próxima treta? Qual a próxima pessoa que eu vou mandar se foder? Ressaca moral. Ressaca social. Ressaca. Outro projeto sem sentido. O mesmo vazio sempre, bicho. Vtnc.